sexta-feira, 31 de março de 2017

DA FALA PARA A ESCRITA: Atividades de retextualização

CAPÍTULO I

ORALIDADE E LETRAMENTO

1. Oralidade e letramento como práticas sociais

 Hoje, é impossível investigar oralidade e letramento sem uma referência direta ao papel dessas duas práticas na civilização contemporânea. Considerava-se a relação oralidade e letramento como dicotômica, atribuindo-se à escrita dos valores cognitivos intrínsecos no uso da língua, não se vendo nelas duas práticas sociais. Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, ambas são suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas linguísticos. Ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos, exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante. Escrever pelo computador no contexto da produção discursiva dos bate-papos síncronos (on-line) é uma nova forma de nos relacionarmos com a escrita, mas não propriamente uma nova forma de escrita.
  • A fala (enquanto manifestação da prática oral) é adquirida naturalmente em contextos informais do dia-a-dia, nas relações sociais e dialógicas que se instauram desde o momento em que a mãe dá seu primeiro sorriso ao bebê.
  • A escrita (enquanto manifestação formal do letramento), em sua faceta institucional, é adquirida em contextos formais: na escola.

 

2. Presença da oralidade e da escrita na sociedade


Quanto à presença da escrita, pode-se dizer que, mesmo criada pelo engenho humano tardiamente em relação ao surgimento da oralidade, ela permeia hoje quase todas às práticas sociais dos povos em que penetrou. O letramento não é o equivalente à aquisição da escrita. A escrita é usada em contextos básicos da vida cotidiana, em paralelo direto com a oralidade. Estes contextos são, entre outros:
  • o trabalho
  • a escola
  • o dia-a-dia
  • a família
  • a vida burocrática
  • a atividade intelectual
Devemos distinguir entre letramento, alfabetização e escolarização.
  • O letramento é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utilitários.
  • A alfabetização pode dar-se, como de fato se deu historicamente, à margem da instituição escolar, mas é sempre um aprendizado mediante ensino, e compreende o domínio ativo e sistemático das habilidades de ler e escrever.
  • A escolarização, por sua vez, é uma prática formal e institucional de ensino que visa a uma formação integral do indivíduo.
Na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. A escrita surgiu pouco mais de 3.000 anos antes de Cristo, ou seja, há 5.000 anos. No Ocidente, ela entrou por volta de 600 a. C., chegando a pouco mais de 2.500 anos hoje. A escrita é um fato histórico e deve ser tratado como tal e não como um bem natural.

3. Oralidade versus letramento ou fala versus escrita?

  • A Oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos, que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora;
  • O Letramento, por sua vez, envolve as mais diversas práticas da escrita na sociedade;
  • A Fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral, sem a necessidade de uma tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano;
  • A Escrita seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfica.
Letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento, e não apenas aquele que faz um uso formal da escrita.

4. A Perspectiva das dicotomias

A primeira das tendências, a de maior tradição entre os linguistas, é a que se dedica à análise das relações entre as duas modalidades de uso da língua (fala versus escrita) e percebe sobretudo as diferenças na perspectiva da dicotomia.
Dicotomias escritas
                                         
                                        fala                                versus                    escrita
                                        contextualizada                                            descontextualizada
                                        dependente                                                   autônoma
                                        implícita                                                       explícita
                                        redundante                                                   condensada
                                        não-planejada                                               planejada
                                        imprecisa                                                      precisa
                                        não-normatizada                                           normatizada
                                        fragmentária                                                  completa

5.  A Tendência fenomenológica de caráter culturalista 


As características centrais da visão de identificar as mudanças operadas nas sociedades em que se introduziu o sistema de escrita são:
Visão culturalista
                    cultura oral                                  versus                           cultura letrada
                    pensamento concreto                                                           pensamento abstrato
                    raciocínio prático                                                                 raciocínio lógico
                    atividade artesanal                                                               atividade tecnológica
                    cultivo da tradição                                                               inovação constante
                    ritualismo                                                                             analiticidade

6. A Perspectiva variacionista


A fala e a escrita não são propriamente dois dialetos, mas sim duas modalidades de uso da língua, de maneira que o aluno, ao dominar a escrita, se torna bimodal. Fluente em dois modos de uso, e não simplesmente em dois dialetos.
A Perspectiva variacionista
fala e escrita apresentam
                                           língua padrão                       variedades não-padrão
                                           língua culta                          língua coloquial
                                           norma padrão                       normas não-padrão  

7. A Perspectiva sociointeracionista 

Este modelo de perspectiva tem a vantagem de perceber com maior clareza a língua como fenômeno interativo e dinâmico. A perspectiva internacionalista preocupa-se com os processos de produção de sentido tomando-os sempre com situados em contextos sócio-historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos inferenciais.
Perspectiva sociointeracionista
fala e escrita apresentam
                                                            dialogicidade
                                                            usos estratégicos
                                                            funções interacionais
                                                            envolvimento
                                                            negociação
                                                            situacionalidade
                                                            coerência
                                                            dinamicidade

8. Aspectos relevantes para a observação da relação fala e escrita

A língua, seja na sua modalidade falada ou escrita, reflete, em boa medida, a organização da sociedade. Podemos observar que a construção de categorias para a reflexão teórica ou para a classificação são tanto um reflexo da linguagem como se refletem na linguagem e são sempre construídas interativamente dentro de uma sociedade.
"Oralidade e escrita são duas práticas sociais e não duas práticas de sociedades diversas. Afala tem sido vista na perspectiva da escrita e num quadro de dicotomias escritas porque predominou o paradigma teórico da análise imanente ao código." (pág.37).
A oralidade jamais desaparecerá e sempre será, ao lado da escrita, o grande meio de expressão e de atividade comunicativa.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. - 8. ed - São Paulo: Cortez, 2007.

quarta-feira, 8 de março de 2017

GRAMÁTICA E INTERAÇÃO: uma proposta para o ensino de gramática no 1° e 2° graus


1- OBJETIVOS DE ENSINO DA LÍNGUA MATERNA

Ao dar aula de uma língua para falantes nativos dessa língua é sempre preciso perguntar: "Para que se dá aulas de uma língua para seus falantes?" ou, transferindo para o nosso caso específico, "Para que se dá aulas de Português a falantes nativos de Português?"
Fundamentalmente pode-se dar a essa pergunta quatro respostas. Vamos apresentá-las, começando por aquela que julgamos fundamental por ser mais pertinente e produtiva para o ensino de Português.
  • Competência Comunicativa;
  • Norma Culta e Variedade da Escrita;
  • Conhecimento da Instituição Linguística;
  • Ensinar a Pensar e a Raciocinar no Modo Científico.

2- CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

A concepção de linguagem é tão importante quanto a postura que se tem relativamente à educação. Normalmente tem-se levantado três possibilidades distintas de conceber a linguagem, das quais apresentamos a seguir os pontos fundamentais e mais pertinentes para o nosso objetivo.
  • A linguagem como expressão do pensamento;
  • A linguagem como instrumento de comunicação, como meio objetivo para a comunicação;
  • A linguagem como forma ou processo de interação.


 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1° e 2° graus. -8.ed.- São Paulo: Cortez, 2002.

DA LÍNGUA AO DISCURSO: reflexões para o ensino.


A QUEM CABE ENSINAR A LEITURA E A ESCRITA?


- Saber português

"Saber português" tem servido para designar duas competências consideradas complementares:
  • O domínio da variedade da língua chamada padrão (popularmente, 'saber falar e escrever corretamente')
  • A aptidão para identificar os fatos da língua (suas unidades, construções e processos estruturais) mediante a nomenclatura oficial.
- O sentido social da língua que falamos

A primeira lição que podemos extrair das diferenças existentes são funcionais, que servem de meio de expressão e entendimento entre seus usuários. Compreender a diferença, ser capaz de analisá-la e saber lidar com ela nas relações interpessoais é o grande passo para uma bem sucedida política de ensino da leitura e da produção escrita na língua materna.

- A língua e os horizontes do nosso mundo

 O ser humano - todos sabemos - vive em pelo menos duas dimensões: 
  • Biológica, ele é igual a qualquer outro ser vivo: ingere alimentos, respira e se relaciona com o meio à sua volta através dos cinco sentidos: tato, audição, visão, olfato e paladar;
  • Cultural, ele é um ser que se transforma seu espaço e cria modos de existir.
- As Letras em busca de um rumo

A homogeneidade e universalidade que inspiram a concepção das obras didáticas até meados dos anos 60 deram lugar a uma dispersão incontrolável de propostas cujo denominador comum era a recusa da tradição. Os cursos de Letras começavam a se organizar como faculdades ou institutos em um contexto em que se punham em xeque o viés filológico e normativo do estudo/ensino tradicional da língua e o historicismo inerente à articulação épica/estilo dos estudos literários.

- Ensino da língua - uma tarefa da escola
A formação escolar consiste no processo pelo qual os indivíduos adquirem e constroem conhecimentos em diversas áreas do saber e para os mais variados fins da atividade sociocultural. 

- A importância dos textos

 A leitura e a expressão são habilidades que embasam e permeiam a construção do conhecimento em todas as áreas do saber. 
- O texto e suas formas
A importância da forma se impõe em certas situações de intencionalidade e/ou finalidade.

- Gêneros textuais

Os gêneros textuais são formas relativamente estáveis pelas quais a comunicação verbal se materializa nas diferentes práticas sociais, que são peças de comunicação direta e circunstancial para as saudações de estruturas mais complexas.
- Rigidez e flexibilidade dos gêneros textuais

A linguagem existe para a expressão do pensamento e não para aprisioná-lo em formas. O desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita são condições cruciais do êxito escolar em qualquer nível, que se dá num percurso longo e trabalhoso, que não pode prescindir da colaboração de todas as disciplinas que de alguma forma se apoiam na leitura e na construção de textos.


AZEREDO, José Carlos. A quem cabe ensinar a leitura e a escrita?

PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; GAVAZZI, Sigrid. Da língua ao discurso: reflexões para o ensino. -2.ed.- Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.